O título não é importante aqui #1

Eu escolhi-te naquele dia em que tu estavas a mandar bolas de basquetebol ao cesto nos campos da secundária. Nunca tinha falado contigo. Eras bem parecido. Sabia o teu nome (por acaso) e o suficiente para acreditar que eras bom. Escolhi-te há dez anos por te achar interessante, trabalhador, honesto, um pouco ingénuo, bem intencionado. Na altura ficava-te bem o curso em que tinhas entrado, eras de perto e responsável. As pessoas na escola estimavam-te, eras querido e admirado por quem interessava. Eras tão certinho e eras o que eu queria para mim. Consegui o teu número, mandei-te uma sms – com as letras contadas porque estávamos no tempo em que as sms’s não eram grátis – e um assunto irrelevante e começámos a trocar e-mails que eu escrevia em casa, no word, guardava em diskets e enviava dos computadores da biblioteca da escola. Ao segundo e-mail mandaste-me um poema, que ainda é um dos meus favoritos, e eu rendi-me ao atrevimento do gesto – falava de amor, mas não de um amor qualquer, não de um amor fugaz, mas de um amor que dura até um dia quando a chuva secar na memória, quando o inverno for / tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada / de um velho.

Amadurecidas, as minhas expectativas hoje são as de há dez anos: a vida pacata, inteira de confiança, a saber que posso entregar o meu dia sem medos, sem desconfianças, sem mentiras, sem traições. Não quero perder a  brandura do tempo em que te escolhi, sem arrebatamentos de paixão nem juras de amor eterno.

Só tens que ser o meu melhor amigo – o meu melhor amigo sem segredos, o meu melhor amigo sem mentiras, o meu melhor amigo que confia, o meu melhor amigo que não ralha, o meu melhor amigo que não ofende gratuitamente, o meu melhor amigo que escuta a minha opinião, o meu melhor amigo que vai por mim, o meu melhor amigo que atende aos meus sonhos, o meu melhor amigo que me ajuda, o meu melhor amigo que pensa em mim primeiro, o meu melhor amigo que pensa antes de falar.

É difícil mas foi por isso que te escolhi a ti. Por te saber capaz.

Amo-te.

Dos dias.

Explicação do sorriso

“A mãe disse-lhe escreve-me / De lá de longe para onde vais / E ela disse não é longe casar / E a mãe sorria cega de dor / E parecia de deslumbramento.”

Mais dor menos dor todos os dias vão bater naquele Domingo em que eles ficaram parados a acenar tristeza sob o candeeiro, enquanto a marcha atrás se dava e eu, toda uma angústia inexplicável, chorava sem esforço e me afastava, para nunca mais ser tudo igual.

A véspera quis-se o primeiro dia das nossas vidas e foi. Para o bem e para o mal, houve uma página que se escreveu e outra que se virou repleta de esperanças várias, planos e expectativas. Mas também se rasgou um cordão onde corriam certas as certezas do ninho.

A vida começou a doer-me aos vinte e cinco e, ciente que não mais deixará de pesar-me, mais me doem os dias que vão passando irreversíveis, irreparáveis e ausentes desta agonia.

Amanhã será outro  dia. E temos sempre amanhã.

Montserrat – Zona de Despreniments

Barcelona ou diz que foi uma espécie de Lua de Mel – Capítulo I (talvez o único)


Montserrat foi um acaso. Ou não.

Quando nos pareceu que o turisticamente essencial de Barcelona estava visto e nos preparávamos para as 2nd e 3rd rounds dos locais mais carismáticos, veio parar-nos às mãos um panfleto sobre Montserrat.

Depois de alguma hesitação – já que ir a Montserrat ficaria sempre mais dispendioso do que a alternativa para o dia (visitar a Cripta da Colónia Güel) – e a preciosa ajuda da funcionária do Posto de Turismo, lá nos resolvemos a ir a Montserrat.
E nisto começa a magia, o espanto, a contemplação.
Viagem de metro, comboio e finalmente o funicular que nos levou ao Monte Sagrado. O tempo como o conhecemos pára. O resto é indescritível, intraduzível, há que vivê-lo.
Assim que nos metemos no penúltimo funicular que nos garantia regresso naquele dia ao hotel em Barcelona (a umas razoáveis dezenas de quilómetros) soubemos imediatamente que Montserrat não terá sido um acaso como disse acima. Nesse mesmo momento, meio a sério meio a brincar, o R. disse que la Morenita seria a padroeira do nosso Casamento. Eu, que tendo a reconhecer sinais em todas as coisas, imediatamente nos confiei àquela Senhora.

Trouxemo-la para casa numa versão “marroquina”, imperfeita e muito, muito regateada mas acredito que a trouxemos, sobretudo, para a nossa vida. E isso basta-me.
“En ningún lugar encontrará el hombre la serenidad sino en su proprio Montserrat” – Goethe

Ficam as fotos e a certeza de lá voltarmos um dia.


Ontem.

MEC – Público

Nada me assusta mais do que a ideia de te perder, de me perder. Nunca eu sou tu e tu és eu; onde estás eu estou e em todas as coisas me acho disperso; seja o que for que encontres é a mim que encontras e ao encontrares-me encontras-te a ti mesmo fez tanto sentido como agora. O medo agarra-me à cama, à cadeira, ao chão. A cabeça precisa de se esquecer do medo que existe para se ir vivendo dando graças, muitas graças. Nada me assusta mais.