Meio ano de ti.

Prefácio

Quando soube de ti compreendi imediatamente no mais fundo e misterioso que existe no meu peito que só poderias vir a ser a menina encantadora que te vais revelando já com seis meses. Nesse lugar único de onde vão brotando sentimentos que nunca tinha conhecido veio também a quase certeza de que serias a Aurora que tanto desejei.

Amei-te desde o dia em que dois tracinhos me puseram na pista de uma gravidez. Enchi-me de alegria quando, à primeira ecografia, soube que estavas tão bem quanto era possível avaliar naquele momento. Não te conto da felicidade que senti quando a médica arriscou seres menina e, enfim, o confirmou. Nesse momento passei a chamar-te pelo nome que te queria por, contra todas as outras sugestões – haveria de ser inflexível, não poderias ser outra que não a minha Aurora.

Imediatamente passei a procurar em tudo significados – haveria de encontrar um livro infantil, uma ilustração ou uma música com o teu nome. Talvez encontrasse uma boneca que viesse a ser a tua melhor amiga.

E procurei. E procurei. E não havia. E não achei. E não agradava.

A verdade é que a história que procurava está por escrever – é a tua história. A música que um dia quis que te identificasse vai-se compondo dos sons que já emites, grande parte deles gargalhadas doces e contagiantes. A ilustração que quis emoldurar e pendurar na tua parede é uma obra incompleta, que o tempo se encarrega de ir pincelando dia após dia – e o teu cabelo cresce, e o teu sorriso ganha expressão, e os teus olhos uma doçura sem fim; as tuas mãos uma destreza incrível, o teu feitio traços tão únicos que chegam a ser comoventes.

Ontem fizeste seis meses e eu entendi que terei que juntar estas memórias deste teu início de vida; memórias que tu não terás e que eu vivo com medo de perder.

Há neste conjunto de recordações tudo daquilo que sou desde o primeiro momento em que soube de ti. E sou tão diferente – melhor, espero.

Eu não diria melhor #2

Um filho, um livro, um disco, uma árvore,
Dois amigos, dois umbigos unidos num chão de mármore,
Quatro tempos, quatro ventos, dentro de quatro paredes,
Debaixo de um céu de estrelas a nossa cama de rede.

Quero uma casa no campo como elis regina,
Plantar os discos,
Os livros e quem sabe uma menina,
Por mim até podem ser mais,
Um amor como os meus pais,
Os dias como os demais,
Sem serem todos iguais.

Casa no campo com a porta sempre aberta para deixar entrar amigos,
Partir à descoberta,
Ter a minha cama grande com a colcha predileta e um cão desobediente dorme em cima da coberta.
Quero uma casa completa com um pedaço de terra,
E com o espaço quero o tempo para adormecer na relva,
Longe da selva de cimento,
Eu acrescento que quero cultivar mais do que mero conhecimento,
Quero uma horta do outro lado da porta e quero a sorte de estar pronta quando a morte me colher,
Quero uma porta do outro lado da morte,
Ter porte de mulher forte quando a vida me escolher.
Quero uma casa no campo que cheire a flores e frutos,
A gomas e sugus,
A doces e sumos,
Cozinhar para quem quer comer,
Comer como sei viver,
Com apetite já disse que não quero emagrecer.
Comer de colher sopa,
Fazer pão,
Estender a roupa,
Eu faço pouco das bocas que me dizem para crescer,
Eu quero rasgar janelas nas paredes cujas pedras eu carregar com as mãos que uso para escrever.
Casa no campo com lareira e fogo brando,
Que ilumine todo o ano,
O sorriso de quem amo,
Quero uma casa no campo que pode ser na cidade,
Mas tem de ser de verdade,
Mesmo não tendo morada…

My way back home.

My way back home.

Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina

in “Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde”

“People are just as happy as they make up their minds to be.” #2

É possível ser feliz em 2013?

Ponto prévio antes de o leitor se debruçar sobre as linhas que se seguem: terminei o artigo anterior prometendo que neste seguiria o mesmo tema. Por erro de cálculo, escapou-me que este era o último artigo antes da quadra de Natal e ano novo. Há algo sobre isto que gostava de partilhar consigo. Por isso, e perdoem-me, voltarei ao emprego no próximo texto. O assunto nesta prosa é outro: a felicidade.

Talvez o tempo (de transformação) e o lugar (Portugal) sejam estranhos para se falar de felicidade. Talvez seja precisamente por ser estranho que é tão importante falar dela. Pela simples razão de que a felicidade é um poderoso motor de transformação social e individual.

Objectivo tão antigo quanto a natureza humana, a felicidade entrou no discurso político através de um dos mais extraordinários textos da modernidade: a Declaração da Independência Americana. Pela mão de Thomas Jefferson, ficamos a saber com desarmante simplicidade que há direitos de todos os tempos, que não são abalados nem perante a conjuntura nem perante as formas de governo: são eles, “a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. É nesse texto que encontramos a centralidade oferecida à felicidade que, por ser um direito radicalmente natural e radicalmente individual, galga o plano pessoal e ganha materialização no plano político-constitucional.

Isto, contudo, não faz da felicidade um lugar ou uma condição. Porque a felicidade é intrinsecamente um estado de alma, não se racionaliza. Por isso mesmo, podemos dizer com algum grau de certeza que é impossível balizar a felicidade: para alguns será um bom emprego, uma boa casa e um automóvel de alta cilindrada. Para outros, a felicidade está nas memórias de vitórias em torneios de hóquei na escola, nas namoradas(os), nas saídas com os amigos, nas reuniões de família ou nas férias de Verão. Para outros, está em qualquer no meio disto – ou para além disto.

Mas o meu ponto é menos o que é a felicidade e mais qual pode ser a medida da nossa felicidade nos tempos que vivemos. Repare-se: 2012 foi um ano duro de mais e longo de mais, fomos levados a situações que testaram os limites da nossa resistência e da nossa razão. Ainda assim, fomos capazes de dobrar tormentas, de vencer obstáculos. Juntos fomos capazes de resistir onde muitos previam a desistência, de vencer onde muitos vaticinavam a derrota. Pela frente, em 2013, temos um caminho difícil, que não está livre de adversidades. Isto não significa, contudo, que tenhamos justificação para abandonar os pressupostos da esperança. Ou que possamos apenas encarar a Felicidade como uma felicidade por aquisição, materialista. Aplicando os princípios da ciência económica, muitos dos elementos da sociedade, e o próprio Estado em primeiríssimo lugar, foram tendo custos inversamente proporcionais às utilidades marginais decorrentes dos fenómenos de aquisição em que, erradamente, assentaram os pressupostos dessa “busca da felicidade”.

Vivemos um tempo diferente. Somos mais pobres, é um facto – e seremos mais pobres durante um tempo que muitos pressupõem longo. Mas isto não é uma fatalidade nem representa a morte da felicidade em si mesma; nem nos impede de continuar a busca por este sentimento que dá ânimo e vida aos homens de sempre.

Todos temos de reaprender a ser felizes. A começar pelo Estado: precisamos de um Estado menos soberano e despótico na aleatoriedade das suas decisões; precisamos de um Estado que cumpra a sua palavra, que seja “pessoa de bem”; precisamos de um Estado que vire a sua agenda política para as pessoas. Falo de um Estado menos viciado no hardware e mais focado no software; falo do Estado próximo do cidadão, personalista, que olha para cada cidadão como uma pessoa e não como um número. Aos cidadãos cabe também um papel fulcral: saber procurar a felicidade nas coisas mais simples da vida.

Há um provérbio chinês que descreve de forma sublime o que é a felicidade: é ter alguém para amar, alguma coisa para fazer e algo em que acreditar. Que este Natal nos ofereça a capacidade de ultrapassar as nossas divergências e nos dê a oportunidade de encontrar a medida da nossa felicidade. Afinal é muito possível que praticamente todos tenhamos alguém para amar, algo para fazer e algo em que acreditar.

Daqui: http://www.ionline.pt/opiniao/possivel-ser-feliz-2013

Happiness

“People are just as happy as they make up their minds to be.” #1

“People are just as happy as they make up their minds to be.” #1

Esta fotografia inaugura a rubrica das coisas simples que me bastam e me aquecem o coração.
Este ano, não estando já a viver naquela que há-de ser para sempre a minha casa, a minha mãe tinha-me pedido para fazer a árvore – “…eras sempre tu que a fazias!” – e eu, que não pude responder com brevidade a tão honroso pedido, fui destituída (espero que não definitivamente) do cargo de enfeitadeira-mor-da-árvore. Assim, hoje cheguei lá a casa e a dita cuja estava montada, enfeitada e devidamente iluminada. E isso bastou-me para sorrir por dentro. Outro ano. Nada me deixa mais feliz por, a nove dias do Natal, estarmos todos cá. Esta árvore promete mais uma consoada linda. Estamos todos, estamos juntos, estamos, salvo escassos achaques, bem. E isso basta-me. E não há presente maior. Como eu queria que isto não tivesse fim.